Episódio 7: O Lado Esquecido
- thiagopined
- 10 de out. de 2024
- 11 min de leitura

Esse episódio é de um todo especial, pois nos deslocamos um pouco de Marcelo Costa de Andrade, o Vampiro de Niterói, e voltamos nossos olhos as suas vítimas e como é importante que elas sejam lembradas, para que coisas terríveis assim não aconteçam mais às crianças. Nesse episódio, relembraremos aqueles que são deixados de lado pela sociedade e Estado.
AVISO: A história a seguir contém cenas fortes de violência infantil, portanto não é recomendado para pessoas sensíveis ao tema e menores de 18 anos. Todas as informações contidas foram retiradas de fontes públicas. Quaisquer solicitações, favor, enviar um e-mail para luzesombrapodcast@gmail.com.
“SOBREVIVENTE QUER SER POLÍCIA E MATAR O ‘VAMPIRO’
O menor A.M.A., 11, disse ontem que seu sonho é ser policial, quando crescer, para matar Marcelo Costa Andrade. Marcelo, 25, que confessor à policia ter matado 14 meninos, estrangulou o irmão de A.M.A., Ivan de 5 anos, e manteve relações sexuais com o cadáver. A.M.A. disse que não foi molestado sexualmente.
‘Até hoje tenho medo dele. Tenho mais medo na hora de dormir. Queria matar ele também’, afirmou o garoto, durante entrevista em sua casa. Ele teme que Marcelo seja solto e faça ‘o mesmo que fez com meu irmão’.
A mãe de A.M.A., Zeli Medeiros de Abreu, 37, também tem medo de que Marcelo seja solto. ‘Na delegacia, quando Marcelo confessou que tinha matado meu filho, senti muita raiva. Deu vontade de pegar e bater muito nele, mas ali não podia’, disse ela.
O crime aconteceu no dia 12 de dezembro passado. A.M.A. contou que costumava fugir da mãe com o irmão Ivan. ‘A gente ia brincar no centro de Niterói’, disse o menor, que mora no bairro pobre de Santa Izabel, em São Gonçalo (a 27km do Rio)."
Essa é um trecho da matéria do jornal Folha de São Paulo de 19 de fevereiro de 1992, quer foi feita com o sobrevivente de Marcelo, e o responsável pela captura do assassino. O tal A.M.A. é, nada mais nada menos que o pequeno Altair, irmão do pequeno Ivan, de 5 anos, que foi sua última vítima.
Em dezembro de 1992, Marcelo se encontrou com os dois meninos em Niterói e os ludibriou para ajudá-lo a acender umas velas no Barreto em troca de comida e dinheiro, então os dois aceitaram. Mas, no meio caminho, Marcelo os atacou e logo pois fim na vida de Ivan, depois o abusou, e faria o mesmo com o irmão, mas, como as fontes contam, ele se afeiçoou ao garoto. Em uma entrevista que fez, Marcelo contou que seus planos eram matar o Altair depois; ele o levou até um quarto da empresa que ele trabalhava e foi fazer seus serviços. Por sorte, Altair conseguiu se esquivar e fugir, quando chegou em casa, como medo, ele apenas confessou o ocorrido para a irmã mais velha. A mãe, no entanto, informou sobre o desaparecimento do filho, o que começou a movimentar a polícia, achando que fosse só um simples crime de fuga e sequestro. Até que, forçado pela irmã, Altair tomou coragem em contar à polícia toda a verdade, e assim, os delegados chegaram à Marcelo, que confessou ficar impressionado com a demora da polícia em encontrá-lo.
De início, Marcelo apenas havia confessado o assassinato de Ivan, mas logo depois ele contou sobre mais cinco mortes, depois do delegado do caso observar alguns casos de crianças em Niterói que ainda não estavam fechados. Até fevereiro do ano de 1992, Marcelo havia confessado ter assassinado 14 crianças em várias localidades no entorno do Rio de Janeiro, também na capital de Minas Gerais.
As investigações seguiram pelo ano, a polícia chegou a ir a Belo Horizonte e confirmar a morte da criança que Marcelo confessou ter cometido quando fez uma de suas viagens por lá, mas não conseguiram provas concretas. Mesmo assim, Marcelo ia ser condenado pelas mortes de, pelos menos, 6 crianças em Niterói, com provas que o ligavam ao crime, não fosse uma peça importante em todo o processo: seus exames de condições mentais.
Marcelo foi diagnosticado com doença mental incurável e, portanto, não poderia ser julgado; ele teria que passar seus anos preso em uma instituição hospitalar chamada de comumente como “manicômio judiciário”. De início, ele ficou preso no Hospital de Custódia Heitor Carrilho, até que, em fevereiro do ano de 1997, ele fugiu, mas não demorou muito para ser encontrado na pequena cidade no Ceará, onde seu pai e parentes moravam.
Com sua volta para Niterói, Marcelo é então internado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, onde está até hoje. No ano de 2017, seu então advogado solicitou sua soltura, mas a juíza responsável negou, afirmando que seus exames de condição mental ainda atestam que ele tem doença mental incurável e não poderia viver em liberdade.
Entre os anos de 2023 e 2024 ocorreu mais uma reviravolta no caso; a ex-ministra Rosa Weber, baseando-se na lei de direitos para pessoas com deficiência, assinou a portaria para o fechamento de todos os manicômios judiciários do país, e os detentos deveriam ser realocado para outros lugares onde seu tratamento poderia ser feito. Com isso, Marcelo seria mandado para o Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, também em Niterói. No entanto, há alguns meses atrás nesse mesmo hospital, um paciente fugiu e esfaqueou o porteiro de um colégio nos arredores.
Considerando o alto grau de periculosidade de Marcelo, os moradores do Morro da Providência localizado logo atrás do hospital fizeram um abaixo-assinado para que ele não fosse realocado para lá, portanto, no início desse ano, a juíza bateu o martelo e o Vampiro de Niterói continua no Henrique Roxo. No dia 4 de julho desse ano, mesmo dia que esse podcast foi lançado, o jornalista Ulissess Campbel fez uma ótima matéria sobre ele e algumas cartas que Marcelo havia entregado para a psicóloga Solange Diniz, quando ela fazia estágio no local em 2008. Com tais cartas em mão, o jornalista ainda pediu a análise de alguns dos mais conceituados psiquiatras do Brasil, que atestam sua psicopatia e neurodivergência.
Marcelo, portanto, vai se tornar o mais velho detido em um manicômio judiciário. Por hora, é o que a justiça conseguiu resolver em seu caso, que me parece algo anormal em toda história criminal do Brasil.
Bem, esse foi um pequeno resumo de tudo que contamos em nosso podcast até aqui: falamos um pouco sobre esse impasse judiciário, seguimos na linha do tempo da vida de Marcelo até o início de seus crimes. Adentramos um pouco tanto no mundo de suas fés religiosas, quanto na definição de um assassino. Por fim, elucidamos o motivo de Marcelo ser chamado de vampiro e suas condições mentais — infelizmente, mesmo tentando arduamente em trazer o máximo de fidelidade dessa história, me frustra não ter conseguido os autos do processo. Mesmo assim, espero que esse podcast tenha sido bem elucidativo até aqui.
E no episódio de hoje colocaremos a camisa que cai melhor a Marcelo, a de antagonista dessa terrível história, e daremos voz a quem realmente merece, para lembrarmos das perdas e esperar que coisas assim nunca mais aconteçam. Hoje vamos falar sobre as quatorze vítimas do Vampiro de Niterói.
Eu sou Thiago Pined e você está ouvindo a Luz e Sombra: O Caso do Vampiro de Niterói.
Episódio Sete: O Lado Esquecido
Quando pensamos nas vítimas de crimes violentos no Brasil, a realidade é dura. As estatísticas mostram que a maioria dessas vítimas não recebe a devida assistência, nem jurídica, nem emocional. O projeto de lei PL 3890/2020, por exemplo, tenta remediar parte desse problema. Ele propõe a criação de um Estatuto da Vítima, que buscaria garantir uma proteção mais abrangente e um apoio efetivo para as vítimas de crimes. Esse estatuto é crucial porque, atualmente, as políticas de apoio às vítimas são fragmentadas e, muitas vezes, inexistentes.
Para que possamos entender a profundidade dessa questão, precisamos olhar para a realidade enfrentada pelas famílias de vítimas de crimes como o de Marcelo Costa de Andrade. Muitas dessas crianças, antes mesmo de serem assassinadas, já viviam em condições de extrema vulnerabilidade. E, após suas mortes, o sistema continua a falhar. O artigo 245 da Constituição Federal prevê que o Estado deve dar assistência aos herdeiros e dependentes de vítimas de crimes dolosos. No entanto, essa assistência raramente chega a quem precisa
É aqui que o Estatuto da Vítima ganha importância. Ele tenta preencher essa lacuna, oferecendo, entre outras coisas, assistência financeira às famílias de vítimas e apoio psicológico. Mas a implementação de leis como essa é um processo lento. Mesmo com esse projeto, que já tramita há anos, vemos que a questão das vítimas ainda não é uma prioridade no Brasil. Isso me faz pensar: como sociedade, até que ponto estamos dispostos a ignorar essas vidas interrompidas?
As vítimas de Marcelo Costa de Andrade eram, em sua maioria, crianças em situação de rua. Esse é um ponto que merece ser destacado. A vulnerabilidade dessas crianças é parte do motivo pelo qual elas foram alvos fáceis para um predador como Marcelo. Mas essa vulnerabilidade não começou quando elas cruzaram o caminho dele. Essas crianças já viviam em condições terríveis, muitas vezes abandonadas por suas famílias, sem acesso à educação ou saúde, e completamente invisíveis para o sistema.
"De acordo com o Atlas da Vulnerabilidade Social, essas áreas de risco, onde muitas dessas crianças viviam, são marcadas pela falta de serviços básicos. Sem saúde, sem educação, sem proteção social, essas crianças estão à mercê de pessoas como Marcelo. E, para piorar, quando essas crianças se tornam vítimas de crimes violentos, suas histórias são rapidamente esquecidas.
Um dos dados mais chocantes que encontrei é que apenas 30% dos crimes no Brasil são investigados corretamente. Isso significa que, para muitas dessas vítimas, não há sequer uma chance de que seus casos sejam resolvidos. E para as famílias, o que resta? Um sistema de justiça lento, que muitas vezes não oferece respostas. No caso de crianças em situação de rua, a situação é ainda pior. Muitas dessas vítimas sequer têm seus nomes registrados em qualquer lugar. Não há fotos, não há histórias, não há uma memória formal que as mantenha vivas no imaginário coletivo. Elas desaparecem.
Isso me faz lembrar de outros casos semelhantes, onde as vítimas foram igualmente esquecidas. Como o caso de Pedro Rodrigues Filho, conhecido como Pedrinho Matador. Apesar da quantidade de vítimas, muitas dessas pessoas também eram marginalizadas, e suas mortes foram recebidas com indiferença por grande parte da sociedade. Esses casos nos mostram que, no Brasil, as vítimas de crimes violentos muitas vezes são relegadas ao esquecimento.
O sistema de justiça brasileiro tem uma crise grave de impunidade. Quando falamos sobre os crimes cometidos por Marcelo Costa de Andrade, devemos lembrar que ele foi preso e condenado, mas muitas vítimas de crimes semelhantes não têm essa 'sorte'. Cerca de 70% dos crimes no Brasil não são investigados ou resolvidos adequadamente. E isso gera um ciclo de impunidade que só perpetua mais violência.
Para as famílias das vítimas, a falta de resolução é um fardo adicional. Além de perderem seus entes queridos de maneira brutal, muitas vezes não recebem respostas do sistema de justiça. No caso de Marcelo, as vítimas eram crianças que já tinham sido deixadas de lado pela sociedade. Após suas mortes, a justiça foi feita, mas em muitos outros casos semelhantes, a história é diferente. Muitos crimes contra crianças em situação de rua continuam sem solução.
Essa impunidade está diretamente ligada à negligência estatal. O Estado brasileiro tem a obrigação constitucional de proteger essas crianças e suas famílias, mas, como vimos, isso não acontece. A justiça tardia ou inexistente agrava o trauma dessas famílias, que já enfrentam uma série de outras dificuldades.
O projeto de lei PL 3890/2020 visa criar um sistema mais robusto de apoio às vítimas, especialmente aquelas que são esquecidas pelo sistema. Um dos pontos principais desse estatuto é a criação de um fundo que ofereça assistência financeira imediata para as famílias de vítimas de crimes violentos. Isso é especialmente importante para famílias em situação de vulnerabilidade, que muitas vezes dependem da renda da vítima para sobreviver.
Além disso, o estatuto propõe a criação de uma rede de apoio psicológico para ajudar essas famílias a lidarem com o trauma. Atualmente, o Brasil não tem um sistema eficaz para tratar essas questões. Muitas vezes, as famílias são deixadas por conta própria, sem apoio do Estado. Isso cria uma situação de 'vitimização secundária', onde as vítimas e suas famílias continuam a sofrer, mesmo após o crime.
Essas políticas são essenciais para que possamos oferecer um mínimo de dignidade a essas pessoas. Não podemos mudar o que aconteceu com as vítimas de Marcelo Costa de Andrade, mas podemos lutar para que as vítimas de crimes futuros tenham uma chance melhor de receber justiça e apoio. E isso começa com a implementação de leis como o Estatuto da Vítima.
Eu pensei muito em como traria a lembrança das vitimas de Marcelo a esse episodio e queria que elas fossem lembradas de alguma forma, mas uma parte de mim também imagina o quanto pode ser dolorido para algum familiar ou conhecido reviver essa historia, que deveria ter sido enterrada a muito tempo atras. Então, tudo que me resta é falar a você, ouvinte, os seguintes dados:
A primeira vitima de Marcelo tinha apenas 12, e estava na região das barcas, em Niterói. Marcelo o estrangulou e deixou seu corpo jogado em um esgoto nas margens da BR.
A segunda vitima tinha por volta de 12 anos de idade, Marcelo o pegou no ponto de ônibus, foi morto enforcado com suas próprias roupas.
A terceira vitima tinha apenas 7 anos de idade, e Marcelo o encontrou também por Niterói. Ele o levou a um CIEP abandonado. Foi assassinado com uma pedrada na cabeça. Além disso, Marcelo conta ter bebido seu sangue.
A quarta vitima tinha 13 e Marcelo conta que o pegou em Japeri. Nos trilhos do trem, o menino foi assassinado também com uma pedrada na cabeça.
A quinta vitima tinha entre 10 e 11 anos e foi pega por Marcelo em São Joao de Meriti. Foi assassinado dentro de um buraco no viaduto do metro.
A sexta vitima Marcelo conta que o conheceu dentro do trem, na estação em Comendador Soares. Foi morto enforcado com sua própria camiseta.
A sétima vitima foi em São Pedro da Aldeia, tinha aproximadamente 9 anos de idade. Tambem foi morto enforcado com a própria camisa.
A oitava vitima tinha 11 anos e estava na Central do Brasil. Marcelo o levou para o mesmo CIEP abandonado e o assassinou batendo sua cabeça contra o chão.
A nona vitima foi perto da própria casa de Marcelo, em Manilha. Ele o abordou quando chegava em casa. Marcelo o levou para um campo de futebol deserto e o enforcou. Depois disso, ainda voltou com um facão para degolar seu pescoço.
A decima vitima tinha apenas 5 anos de idade e ele o conheceu em Caxias, depois o levou para um lugar deserto na BR em Niteroi e deixou uma pedra cair sob a cabeça da crianças. Após isso, bebeu seu sangue.
A decima primeira vitima tinha seis anos e estava com a família na Central do Brasil. Marcelo conseguiu esquiva-lo da família e o levou ate uma área escondida em um rio e o afogou. Depois tirou seu corpo das aguas.
A vitima de numero 12 é uma incógnita ainda pior que as outras. Marcelo confessou ter assassinado um menino de 9 anos no horto floresta de Belo Horizonte em uma viagem que fez a cidade. No entanto, essa historia nunca foi confirmada.
As vitimas 13 e 14 eram os irmãos nos quais já falamos antes. Um, infelizmente, perdeu sua vida da mesma forma que as outras vitimas. O outro, por sorte, conseguir fugir e terminou de uma vez por todas a serie de assassinatos cometidos pelo Vampiro de Niteroi.
Para encerrar, quero deixar uma reflexão importante. Ao longo desse episódio, falamos muito sobre as vítimas esquecidas do Vampiro de Niterói, mas essas vítimas são apenas uma pequena amostra de um problema muito maior. O Brasil tem um histórico de negligência com suas populações mais vulneráveis. E enquanto isso não mudar, continuaremos a ver casos como o de Marcelo Costa de Andrade se repetirem.
Devemos exigir mais do nosso sistema de justiça. Devemos exigir que o Estado cumpra seu papel de proteger as vítimas, de oferecer assistência adequada e de garantir que esses crimes sejam investigados e punidos de maneira justa. O Estatuto da Vítima é um passo importante nessa direção, mas ainda temos muito trabalho pela frente.
Obrigado por ouvir até aqui, e acho que, mesmo com algumas faltas aqui e ali, conseguimos nos aprofundar mais nessa história chocante com tantas camadas que ainda vale muito a ser explorada. Bem, o dia 12 agora é o Dia das Crianças, então gostaria de deixar essa mensagem de que ainda existe muito a se fazer quanto ao cuidado infantil em nosso país, mas acho que precisamos ter esperança e pouco avanço já é melhor que nada.
Bem, foi uma longa jornada até aqui, então, por hora, acho que podemos colocar um ponto e virgula nessa história, e para finalizar, vamos falar um pouco sobre Luz e Sombras no próximo episodio, o ultimo dessa temporada. Até lá.
Eu sou Thiago Pined e você ouviu a Luz e Sombra: O Caso do Vampiro de Niterói.
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