Episódio 1: O Impasse
- luzesombra
- 4 de jul. de 2024
- 10 min de leitura

A ex-ministra Rosa Weber protocolou a Resolução 487/2023, que dá fim aos ditos "manicômios jurídicos" no país. Com isso, o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, em Niterói, deveria fechar as portas. No entanto, é lá que se encontra Marcelo Costa de Andrade (também conhecido como Vampiro de Niterói), notório assassino em série. Diagnosticado com "doença mental incurável", lá seria o único local preparado para manter alguém como ele. E é com esse impasse que nossa história se inicia.
AVISO: A história a seguir contém cenas fortes de violência infantil, portanto não é recomendado para pessoas sensíveis ao tema e menores de 18 anos. Todas as informações contidas foram retiradas de fontes públicas. Quaisquer solicitações, favor, enviar um e-mail para luzesombrapodcast@gmail.com.
Algumas vezes me vejo procurando sobre assuntos diversos que tenho interesso, como por exemplo crimes reais. Já ouvi alguns bons podcasts e li alguns livros, e tenho certeza de que não sou o único que me interesso pelo tema, absolutamente. Os românticos podem nos observar com certa repugnância e se perguntar o que há de bom em crimes reais?
Definitivamente não existe nada de bom em um crime, principalmente em um assassinato. Agora, falando particularmente, o que me chama a atenção vai de encontro a um questionamento que conheci deve ter mais ou menos uns dez anos. É uma filosofia de Thomas Hobbes, que diz que o homem é essencialmente mal. Em seu livro intitulado “Leviatã”, ele exprima a marcante frase: “O homem é o lobo do homem”. Bem, essa frase não é dele, mas o que quero explicar é que, pelo conceito de Hobbes, o homem é naturalmente ruim, o que acontece é que há necessidade de que se criem regras e organizações (leis e o governo) para que o homem continue na linha, por assim dizer.
Quando conheci essa chamada filosofia, na época muito novo ainda no começo dos meus vinte anos, pra mim tudo fazia sentido e me explicava o quanto a violência de fato ainda ocorria. Porque, a gente sempre ouve por aí que está tudo ficando pior, mas, parando para analisar a história humana, percebemos que não está ficando pior, mas se modificando.
E isso é um dos motivos que me fizeram ficar tão interessado por crimes reais, casos complexos que é meio impossível de se entender o porquê. Como que algumas pessoas conseguem, seguindo essa linha filosófica, serem organizadas por essas leis criadas para o bom convívio social do ser humano, mas outras não. Como a essência má de uma pessoa consegue ser mais forte para que ela cometa algo trágico.
No mergulho a esse meu interesse, consegui entender alguns fatores mais complexos do que o simples assassinato: a privação da vida da vítima, o estrago que um crime faz na vida dos parentes das vítimas, na vida dos parentes do assassino, se não tiver um corpo é ainda mais complexo e mais dolorido. Além disso, tem a procuro do autor do crime, os processos judiciais que são bem longos, a conclusão que pode ou não ser assim tão justa aos olhos de diversas pessoas...
E, enquanto eu pesquisava mais sobre isso, esse questionamento de Hobbes sempre me vinha à cabeça e não me deixava quieto. E fui pensando: e se fosse ao contrário? O ser humano é essencialmente bom e algo vá fazer com que ele aflore a maldade, de alguma forma?
Bem, não se pode levar uma história de séculos atrás ao pé da letra, por favor. Sabemos agora que existem quase que infinitas teorias sobre o ser humano, então, é melhor apenas deixar tudo no subentendido.
Mas por conta dessa questionamentos e pesquisa, cheguei a uma certa história que me chamou atenção e tem diversos fatores que eu vinha me questionando, mas que poderia ser igual a qualquer outra. Ela só chamou a minha atenção ainda mais porque talvez por ser tão perto de onde moro, sua sombra continua nas ruas da cidade, observando tudo e a todos.
E um dia desses eu estava pesquisando a fatídica história quando me deparo com um documento feito pela associação de moradores do Morro do Preventório, em Charitas, Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, que diz o seguinte (veja a postagem AQUI):
“Vimos através deste solicitar que seja feito uma intervenção há pedido de vários moradores no que tange a hospitalização do indivíduo Marcelo Costa de Andrade, (famoso conhecido como Vampiro). Sabemos que as instalações do nosso hospital estão inadequada para receber certos tipos de pessoas que pode causar danos aos moradores locais, bem como a sociedade, portanto vimos respeitosamente solicitar que seja negado a hospitalização do indivíduo citado acima.”
Então, me lembrei de uma reportagem que li no canal G1 de 26 de outubro de 2022 sobre o fechamento do Instituto Juliano Moreira, último “manicômio” carioca. Além disso, no início desse ano, a ex-ministra Rosa Weber assinou a Resolução N. 487, sobre o fim dos hospitais psiquiátricos judiciários no país, baseando-se na lei comumente conhecida como antimaniconial.
E foi nesse momento que, ao analisar todos esses fatos, vi a necessidade de externalizar essa história de uma vez por todas, transformando-se, assim, nesse Podcast.
Me chamo Thiago Pined, sou autor, estudante de Odontologia e um estranho curioso, e você está ouvindo à “Luz e Sombras: O Caso do Vampiro de Niterói”.
Episódio 1: O Impasse
Pra começo de conversa, não vou me entrelaçar em um emaranhado de informações que podem deixar você, ouvinte, um tanto confuso. Vou começar pelo que me parece o ponto final dessa história: um impasse entre a legislação, dois hospitais psiquiátricos e o personagem central de toda essa trama.
A Resolução número 487 datada de 27 de fevereiro de 2023 está relacionada com a lei 10.216 do ano de 2001, que visa à proteção de pessoas portadoras de transtornos mentais (veja a resolução clicando AQUI).
(E aqui tenho que abrir minhas primeiras desculpas nesse podcast. Nos trailers apresentados, eu havia dito que essa resolução havia sido assinada no início desse ano de 2024, mas ela foi assinada no início de 2023. Peço desculpas pelo erro e digo que não vai mais se repetir).
Ela diz:
“Em consonância com normativos nacionais e internacionais sobre o tema, a Resolução CNJ n. 487/2023 estabelece o correto encaminhamento pela autoridade judicial dos casos de saúde mental às equipes de saúde para que indiquem e procedam ao tratamento adequado para cada paciente.”
De modo geral, essa resolução se baseia na referida lei para extinguir os 32 manicômios judiciários do país, dando um prazo de um ano para que isso aconteça. Com isso, o prazo máximo seria maio desse ano de 2024 (guarde essa informação, pois ela será relevante um pouco mais à frente).
Mas o que são tais manicômios judiciários?
Evelin Naked de Castro Sá, em seu trabalho (acesse AQUI) intitulado “O Manicômio Judiciário: Saúde ou Justiça?” define que “Manicômio Judiciário é um hospital especializado para doentes mentais criminosos e pessoas à disposição da Justiça, em fase de julgamento.”
Bem, são institutos públicos, hospitais psiquiátricos que são destinadas a acolher criminosos que foram, por meios de provas tangíveis diagnosticados com alguma doença ou deficiência mental e foram considerados inimputáveis, que não podem julgados como outro criminoso pelo poder judiciário.
Então, conforme a Resolução 487, esses manicômios judiciários devem ser fechados. Em 2022, a cidade do Rio fechou o “Instituto Juliano Moreira”, considerado o último manicômio ativo da cidade. Em fevereiro desse ano de 2024, em Petrópolis, O Hospital Psiquiátrico Santa Mônica foi fechado — esse com suas próprias polêmicas. Assim, ficaram faltando para serem liberados os detentos do Hospital Pena Psiquiátrico Roberto Medeiros, no Complexo Gerincinó, zona oeste da cidade, e o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, em Niterói.
Com esse gancho, eu queria dar um adendo importante nesse episódio que pode ligar com mais uma informação à frente. Em minhas pesquisas, achei um documento da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, datado de uma fiscalização feita no Henrique Roxo em 20 de setembro de 2016. Você pode ler o texto completo clicando AQUI, para entender um pouco a atmosfera no Hospital naquele ano.
E era assim que estava o Hospital de Custodia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo em 2016. Agora, voltando para 2022, os presos nesses locais iriam se soltos como pessoas comuns e receber tratamentos dignos conforme a legislação antimanicomial. O que intercorre em toda essa história é que exatamente no manicômio judiciário de Niterói que está um caso um tanto complexo e que me motivou a fazer esse Podcast: o comumente conhecido como “Vampiro de Niterói”.
Mas vamos colocar os nomes aos bois: o tal vampiro (e aqui usando aspas sob o termo) chama-se na verdade, Marcelo Costa de Andrade, agora um homem de 57 anos de idade. E sua história me parece complexa demais para simplesmente fazer parte da resolução anteriormente mencionada.
Caro ouvinte, pode parecer que eu esteja correndo com a história, mas todas as informações que eu falar a seguir serão mais bem esmiuçadas nos capítulos seguintes. Mesmo assim, terei que voltar rapidamente para o ano de 1991 e retratar resumidamente a história de Marcelo, para, assim, explicar essa complexidade nos dias de hoje. Mas vamos tirar estereótipos; a partir de agora, não o chamarei como “Vampiro”.
Acho de bom tom começar da mesma forma que a polícia: quando, naquele ano, o corpo de um menino chamado Ivan foi encontrado no esgoto vestindo apenas a bermuda. A primeira linha de investigação foi de que o menino havia se afogado no local, mas depois tudo mudou quando o resultado da autopsia expressou que o menino havia sido morto por asfixia e violação sexual.
Então, os policiais interrogaram seu irmão, o pequeno Altair, que, enfim, contou sobre um homem que os abordou e tentou abusar sexualmente dele, só que Altair fugiu, diferentemente do irmão.
Assim, as investigações chegaram a Marcelo, que confessou todo o ocorrido com Ivan e ainda confessou o assassinato de mais 13 vítimas com idades entre 6 e 13 anos, todos meninos — oito deles foram confirmados pela polícia.
A Revista IstoÉ Senhor fez uma matéria sobre ele no dia 26 de fevereiro de 1992 e, em uma das mais de cinco folhas de história, contou melhor como Marcelo foi pego¹.
No dia 12 de dezembro Marcelo cruzou com Altair e seu irmão Ivan, de seis anos, no terminal rodoviário de Niterói. Observou-os por algum tempo e, para atraí-los, ofereceu aos dois comida e dinheiro. O que ocorreu naquelas horas o menino sobrevivente contou, emocionado, a Istoé Senhor: "Eu estava lá com o meu irmão e, de repente, apareceu um cara e chamou a gente para acender umas vê-las lá no Barreto, em homenagem a São Jorge. Ele ofereceu Cr$ 4 mil para a gente."
Os relatos apontam que ele atraía as vítimas ofertando dinheiro para que os meninos o ajudassem com alguns rituais religiosos. O tal apelido de “vampiro” foi dado porque Marcelo confessou em depoimento que também bebeu o sangue de algumas crianças.
Os exames psicológicos na qual ele foi submetido constaram que Marcelo tinha distúrbios mentais, portanto, ele não foi julgado como uma pessoa comum, sendo entregue diretamente a um manicômio judiciário dois anos depois, em 1993. Em 1997, Marcelo conseguiu fugir do hospital psiquiátrico Heitor Carrilho, mas foi reencontrado no Ceará, onde passou boa parte de sua infância conturbada.
O Jornal Folha de São Paulo fez uma reportagem sobre sua prisão no Ceará (disponível AQUI).
“`Fugi pelo portão, que estava aberto'', disse ele em entrevista à Rede Manchete. Ele afirmou que foi de carona do Rio de Janeiro até o Ceará. Confirmou, durante a entrevista, ter matado 13 crianças e se disse arrependido. Uma denúncia anônima, feita na terça-feira, levou a PM a checar a informação de que um homem semelhante a Andrade estaria circulando pelo município de Varjota, vizinho a Guaraciaba do Norte.”
Foi, então, mandado para cumprir sua pena no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo, onde está até hoje. Em 2017, sua defesa tentou conseguir a soltura, talvez por conta do relatório feito um ano antes, mas a promotora do caso negou, informando que ele havia “doença mental incurável, que não apresenta condições para a construção de um projeto terapêutico”.
Marcelo, então, continua há 27 anos internado no mesmo lugar. Só que algo poderia mudar: o então assassino poderia ser mandado para o Hospital Psiquiátrico de Jururjuba, em Charitas. Acontece que esse hospital havia encerrado suas internações de longa permanência no ano passado.
A questão é que lá não havia um espaço reservado específico para alguém como Marcelo, que foi classificado como um serial killer de alta periculosidade e sem cujo problema mental não pode ser tratado – aqui com aspas. Além disso, como visto no início desse episódio, os moradores no redor do hospital fizeram um abaixo-assinado pedindo para que ele não fosse transferido para lá, preocupando-se com a seguridade do bairro.
O impasse.
O advogado de Marcelo, doutor Luiz Mantovani, ainda afirmou que seu cliente se encontrava com medo, que chegou até a cogitar uma cirurgia de troca de rosto caso fosse realmente mandado ao hospital de Jurujuba.
Bem, depois de todo esse conflito, no mês seguinte, exatamente em cinco março, a justiça decidiu em continuar com Marcelo no Henrique Peixoto, pois na unidade sua manutenção segue as medidas de segurança. Portanto, enquanto gravo esse episódio sei que ele continua no mesmo local e, conforme as informações apontam, sozinho.
Quando retorno a essa história, lendo e relendo matérias sobre, também me volta a cabeça algumas questões que são difíceis de resposta. São elas:
Existe algum motivo para uma pessoa se tornar um assassino?
O que faz a pessoa continuar a matar?
Será que o Marcelo realmente tem algum “defeito” mental?
Com todas essas sanções do estado para acabar com os manicômios jurídicos, o acontecerá com o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Henrique Roxo e, consequentemente, com o Marcelo?
E todas elas vão de encontro a tal filosofia de Thomas Hobbes.
Ok, vamos seguir um passo de cada vez. E no próximo episódio vamos tentar responder à primeira questão: será que existe mesmo algum motivo para a pessoa se tornar um assassino?
Meu nome é Thiago Pined e esse foi o primeiro episódio de Luz e Sombras: O Caso do Vampiro de Niterói.
¹ - Infelizmente, não consegui uma cópia dessa revista a tempo para colocar nessa postagem, no entanto, quando conseguir, ela será devidamente disponibilizada nessa referência e avisada.
Caros ouvintes, muito obrigado por terem seguido a história até o final e espero muito que tenham gostado. Eu sou um produtor independente, o que significa que eu produzo todo o trabalho que vocês acabaram de ouvir e tudo que peço é que vocês compartilhem meu trabalho pra todo mundo. Assim, vocês me ajudam a chegar a mais pessoas que até possam me ajudar com a pesquisa nesse trabalho e ainda me faz continuar produzindo os próximos episódios. De antemão, eu já agradeço muito, tanto por ouvirem até aqui, quanto pelo compartilhamento e comentários! Qualquer coisa já me ajuda muito para melhorar cada vez mais! Além disso, se quiserem de mais informações e referências, é só acessar o site do PodCast, lá sempre vai ter qualquer relação e referências que tive para pesquisar o episódio. Então, sem mais delongas, até o próximo episódio!
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